sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Um apelo aos idiotas

Na vida acelerada do mundo de hoje, todos desejam ser espertos, vivos e astuciosos.

Ninguém quer ficar para trás - quando você vai, os outros já voltaram. Ninguém mais diz frases com segundas intenções: dizem coisas com terceiras, quartas e quintas intenções. Frases que, com sorte, um leigo no assunto precisa de várias horas para decifrar e talvez dois ou três dias para imaginar uma resposta à altura.

Em compensação, alguém que diz diretamente aquilo que pensa acaba provocando escândalo e mal-estar. É imediatamente catalogado como perigoso e tratado como idiota. A sinceridade parece contrariar as normas da convivência e da boa educação modernas. Assim, as pessoas bem educadas são amáveis, mas nem sempre confiáveis no que dizem.

A idiotice é um tema vasto, com muitos aspectos diferentes, e está inscrita com destaque na cultura brasileira.

Um exemplo disso são as tradicionais piadas de português. Elas são uma projeção da brasilidade. No fundo, os portugueses idiotas das piadas somos nós. Os episódios que envolvem Manuel, Joaquim e Maria são todos parte da alma do nosso país, tanto é assim que só são conhecidos no Brasil.

É certo que, quando examinamos a questão da inteligência e da idiotice, surgem algumas perguntas difíceis de serem respondidas. O que é inteligência? O que é burrice? Quantos tipos há de idiotas?

Podemos dizer que inteligência é a capacidade de perceber o real. Como há realidades muito diferentes no mundo, não existe um tipo único de inteligência. Cada situação da vida requer um tipo específico de percepção, e por isso as inteligências são múltiplas. A idiotice e a burrice podem ser definidas como a incapacidade de perceber o real, e são tão variadas quanto as inteligências. Idiota é o que não falta. Alguns deles, inclusive, são espertalhões. Sim, há muitos idiotas que passam por inteligentes, e também grande número de pessoas inteligentes que passam por idiotas.

Além disso, quem é inteligente em uma área da vida pode ser burro em outras. Você é esperto em política e burro na hora de jogar futebol. Sua namorada pode ser menos intelectual que você, na hora de discutir política, mas há aspectos da vida em que ela coloca você no chinelo.

Há coisas que seus filhos fazem bem melhor que você, como, talvez, compreender as sutilezas de um videogame ou computador. Felizmente, ter sabedoria não é saber tudo. Ter sabedoria é saber o mais importante, é administrar bem os seus talentos.

Li a algum tempo atrás, texto de que não me lembro a autoria, nesse texto o autor abordava a imbecilidade doutoral específica dos "eruditos" que usam palavras complicadas para não dizer coisa alguma. Um deles, fez certo dia uma longa pesquisa para saber "se uma entidade imaginária, zumbindo no vácuo, é capaz de devorar segundas intenções." Outro queria saber "se uma idéia platônica, dirigindo-se para a direita sob o orifício do Caos, poderia afastar os átomos de Demócrito". Um terceiro investigava "se a frigidez hibernal dos antípodas, passando numa linha ortogonal através da homogênea solidez do centro, podia, por uma delicada antiperístase, aquecer a convexidade dos nossos calcanhares". O autor, segundo o texto qualificava tais idiotas eruditos como professores cegos de discípulos cegos, "que tateiam em um quarto escuro à procura de um gato preto que não está lá".

Tais indivíduos no mínimo inspiraram Rolando Lero, o grande erudito que iluminou a televisão brasileira nos anos 1990 na escolinha do Professor Raimundo.

Conheço pessoas que têm tanto medo de parecer burras que que sorriem mesmo antes ao termino de uma piada, mesmo não compreendendo nada. Mas tal constrangimento é desnecessário: deixando de lado o medo de parecer idiotas, perderemos menos tempo fingindo e seremos mais felizes.

Quando superamos a necessidade de parecer inteligentes e deixamos de lado o medo de parecer idiotas, libertamos nosso potencial criativo e a nossa capacidade de conhecer novos aspectos da consciência. 

Quando temos coragem de colocar toda nossa mente focada em algo, parecemos tolos e distraídos do ponto de vista daqueles aspectos do mundo que optamos por ignorar completamente.

Um exemplo claro disso é dado pela história do grande cientista que caminha absorto pela rua, perto da sua Universidade, quando encontra um colega e param para conversar um minuto. Ao se despedirem, o cientista pergunta a seu colega:
"Diga-me, amigo, em que direção eu estava caminhando?"
"Você estava indo para lá", aponta o outro.
"Ah, obrigado", agradece o sábio distraído. Isso significa que eu já almocei."

A expansão mística da consciência traz uma certa inocência idiota em relação à realidade externa. Talvez seja por isso que os sábios renunciam à agitação e a todas as formas de esperteza associadas com ela, e preferem optar por uma vida retirada. Quem deseja alcançar a consciência celestial deve abandonar a inteligência egoísta e assumir, em certos assuntos, a aparência de um abobado.

A astúcia impede o autoconhecimento. A milenar tradição chinesa conta que certa vez Confúcio procurou Lao-tzu, fundador da filosofia taoísta - e fez a ele uma complexa consulta sobre uma questão ritualística que considerava de grande importância. Desprezando a pergunta sofisticada, o mestre disse a Confúcio:
"Você precisa abandonar a sua esperteza e deixar de lado a espada da sua ambição. Os grandes sábios frequentemente parecem tolos e estúpidos. Aqueles que obtiveram o verdadeiro aprendizado não insistem em ostentar o seu conhecimento."

Embora seja verdade que nem todo idiota alcança a iluminação, é certo que todo iluminado tem algo de idiota e parecerá um tolo desde mais de um ponto de vista.

O aprendiz da arte de viver deve romper os limites das chantagens do que é "politicamente correto" e deixar de lado os mecanismos da ignorância coletiva que buscam impor falsos consensos em função dos interesses desse ou daquele esquema de poder.

Mas, para fugir da idiotice coletiva organizada - com sua psicologia de rebanho que proíbe o indivíduo de pensar por si mesmo, é indispensável vencer o medo de que nos seja colocado o rótulo de ovelha negra, ou de idiota. Só assim poderemos viver com responsabilidade própria e independência pessoal.

A verdade eterna e a libertação desse sistema sujo, estão em nossas próprias mãos. Só dependem de nós. 

Mas insistimos em procurá-las nas coisas externas, nos exemplos de nossa sociedade corrompida, pedindo a outras pessoas, renunciando à autonomia da nossa caminhada.

Os sábios, como os idiotas, são íntegros. Eles não fingem que são inteligentes e não têm medo de errar. 

Tentam, erram e conhecem o sabor da derrota. Mas, quando acertam, são geniais. O idiota de hoje pode ser o sábio de amanhã, graças à experiência adquirida. Em compensação, aquele que não possui ânimo para tentar não tem chance alguma de aprender. É como diz o velho ditado: quem não arrisca não petisca.

Por isso devemos criar uma nova cultura em que seja permitido a cada um cair e levantar livremente. Porque somos todos apenas aprendizes. Erramos e aprendemos o tempo todo, e devemos estimular em cada ser humano a coragem de buscar, mesmo tropeçando. Banindo da nossa cultura o medo ao ridículo, cada um se permitirá um pouco mais de deselegância e autenticidade em sua maneira de viver e agir.

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