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Conjur, especializado na área jurídica, sintetizou com perfeição, na manchete,
a nova agressão de Joaquim Barbosa a um de seus pares no Supremo Tribunal
Federal. O ministro Ricardo Lewandowski, por discordar de seu posicionamento, teve cassado seu direito de julgar um embargo na Ação Penal 470. Mais uma prova
explícita de autoritarismo e despreparo para o cargo. Conjur também
revelou bastidores do embate, num dia em que os ministros quase chegaram às
vias de fato. A análise dos embargos infringentes, que podem mudar condenações,
promete ser ainda mais agitada.
Posições
de ministros substituem o Direito no mensalão
Por
Rafael Baliardo e Rodrigo Haidar
Mais
uma vez, a falta de distanciamento transformou julgamento do Supremo Tribunal
Federal em disputa pessoal deixando em segundo plano as normas jurídicas, a
doutrina e a jurisprudência. Para impor seu projeto de condenar definitivamente
os políticos em julgamento, o ministro Joaquim Barbosa acusou Lewandowski de
fazer chicana e usar o recurso para “arrependimento”. Lewandowski, que mais uma
vez explorou deficiências da acusação, pediu, então que Barbosa se retratasse.
O presidente do STF se recusou.
Os
ministros se entreolhavam envergonhados com a situação. O decano do Supremo,
Celso de Mello, tentou intervir duas vezes, em vão. A discussão fez com que
Barbosa encerrasse a sessão. Mas não a discussão.
Na
antessala do Plenário, em que os ministros se reúnem antes de entrar para o
julgamento e na hora do intervalo, ouviam-se gritos. Quem estava na sala, disse
que não faltava muito para que os ministros chegassem às vias de fato.
Lewandowski, então, se retirou. O estopim do bate-boca foram os embargos
interpostos pelo réu Carlos Alberto Rodrigues Pinto, o Bispo Rodrigues,
ex-parlamentar do PL.
Bispo
Rodrigues foi condenado a seis anos e três meses de prisão por corrupção
passiva e lavagem de dinheiro no final do ano passado. Nos embargos, reclamou
que em sua condenação por corrupção passiva, foi aplicada para o cálculo da
pena a Lei 10.763/2003, que aumenta a punição para crimes do gênero. De acordo
com ele, deveria ter sido usada a lei anterior, mais branda, já que o crime
teria sido cometido em 2002.
Lewandowski
iria acolher os embargos. Os ministros passaram a discutir qual o momento do
crime para definir a aplicação da lei. No julgamento de mérito, a decisão de
condenar Bispo Rodrigues com base na lei mais gravosa foi unânime.
Deu-se, então, a seguinte discussão:
Celso
de Mello – Os argumentos são ponderáveis. Talvez pudéssemos encerrar essa sessão
e retomar na quarta-feira. Poderíamos retomar a partir deste ponto específico
para que o tribunal possa dar uma resposta que seja compatível com o
entendimento de todos. A mim me parece que isso não retardaria o julgamento, ao
contrário, permitiria um momento de reflexão por parte de todos nós. Essa é uma
questão delicada.
Barbosa
– Eu não acho nada ponderável. Acho que ministro Lewandowski está rediscutindo
totalmente o ponto. Esta ponderação...
Lewandowski
– É irrazoável? Eu não estou entendendo...
Barbosa
– Vossa Excelência está querendo simplesmente reabrir uma discussão...
Lewandowski
– Não, estou querendo fazer justiça!
Barbosa
– Vossa Excelência compôs um voto e agora mudou de ideia.
Lewandowski
– Para que servem os embargos?
Barbosa – Não servem para isso, ministro. Para arrependimento. Não servem!
Lewandowski
– Então, é melhor não julgarmos mais nada. Se não podemos rever eventuais
equívocos praticados, eu sinceramente...
Barbosa
– Peça vista em mesa!
Celso
de Mello – Eu ponderaria ao eminente presidente talvez conviesse encerrar
trabalhos e vamos retomá-los na quarta-feira começando especificamente por esse
ponto. Isso não vai retardar...
Barbosa
– Já retardou. Poderíamos ter terminado esse tópico às 15 para cinco horas...
Lewandowski
– Mas, presidente, estamos com pressa do quê? Nós queremos fazer Justiça.
Barbosa
– Pra fazer nosso trabalho! E não chicana, ministro!
Lewandowski
– Vossa Excelência está dizendo que eu estou fazendo chicana? Eu peço que Vossa
Excelência se retrate imediatamente.
Barbosa
– Eu não vou me retratar, ministro. Ora!
Lewandowski
– Vossa Excelência tem obrigação! Como presidente da Casa, está acusando um
ministro, que é um par de Vossa Excelência, de fazer chicana. Eu não admito isso!
Barbosa
– Vossa Excelência votou num sentido, numa votação unânime...
Lewandowski
– Eu estou trazendo um argumento apoiado em fatos, em doutrina. Eu não estou
brincando. Vossa Excelência está dizendo que eu estou brincando? Eu não admito
isso!
Barbosa
– Faça a leitura que Vossa Excelência quiser.
Lewandowski
– Vossa Excelência preside uma Casa de tradição multicentenária...
Barbosa
– Que Vossa Excelência não respeita!
Lewandowski
– Eu?
Barbosa
– Quem não respeita é Vossa Excelência.
Lewandowski
– Eu estou trazendo votos fundamentados...
Barbosa
– Está encerrada a sessão!
Crime
e castigo
Para
Lewandowski, o que pode ser depreendido da denúncia do Ministério Público é que
o crime se consumou em 2002, ocasião em que foi definido o acordo político
entre PT e PL, sendo o recebimento da propina por Rodrigues o mero exaurimento
da conduta criminosa. Dessa forma, conforme preconiza a jurisprudência, deve
ser aplicada a pena com base na lei anterior, que é menos gravosa e, portanto,
mais favorável ao réu.
O
ministro Joaquim Barbosa insistiu que, ao contrário de Valdemar da Costa Neto e
outros corréus, Bispo Rodrigues não participou das reuniões que alinhavaram a
base governista ainda em 2002. Com exceção de Lewandowski, os outros ministros
se manifestaram no sentido de concordar com o relator.
No
entanto, Lewandowski insistiu que “o que importa é o que consta no acórdão”,
que sugere, segundo ele, que o crime se deu no momento da negociação financeira
travada antecipadamente.
“Estou
recebendo uma informação da minha assessoria, que está passando um pente fino
na denúncia, que há uma imputação na exordial acusatória, de que Bispo
Rodrigues recebeu uma primeira parcela antes [de dezembro de 2003]. Ou seja,
ele recebeu uma das parcelas anteriormente, e a doutrina e a jurisprudência
entendem que um segundo, um terceiro ou um quarto [recebimento], como lhe foi
imputada a continuidade delitiva, é um mero exaurimento”, disse Lewandowski.
No
entanto, os demais ministros discordavam da tese de Lewandowski. Luiz Fux observou
que, a despeito do recebimento da vantagem indevida ser o exaurimento do crime
formal, este também é tipificado como crime de receptação, sendo, portanto, um
tipo alternativo misto e, dessa forma, caracterizado como crime em si. Fux
ainda citou a Súmula 711 da Corte, que indica que a lei penal mais grave se
aplica em caso de crime continuado.
O
raciocínio foi endossado pelo ministro Celso de Mello, para quem, no caso da
acusação, o recebimento figura como “modo autônomo”, se tratando assim de
condutas múltiplas. “O Ministério Público, ao delimitar tematicamente a
acusação, imputou a esse réu a prática de corrupção passiva”, disse o decano.
“Houve dois momentos. Um deles, em dezembro de 2003, quando já se achava em
vigor a mais gravosa corrente da lei 10.763, e não imputou assim a esse réu o
ato de ele haver previamente solicitado ou acolhido a vantagem indevida”, disse
o ministro.
O
decano do STF insistiu que o recebimento de propina por Bispo Rodrigues em
dezembro de 2003 foi um acontecimento independente, não relacionado a uma
negociação anterior, que teria acertado o recebimento da vantagem. “Qual é o
tempo do crime? O tempo do crime é aquele em que se realizou a ação”, disse. “A
denúncia imputa uma determinada atividade a esse réu embargante. Qual? O ato de
haver recebido, sem que haja qualquer conotação, como previa aceitação de
promessa ou prévia solicitação de indevida vantagem. A questão é essa, bem
objetiva, bem clara. Portanto, situa-se o momento temporal em que se consumou o
delito. Delito de mera conduta, de simples atividade”, disse Celso de Mello.
O
presidente do STF disse ainda que o revisor tentava reexaminar as provas, o que
não cabia em sede de Embargos de Declaração. O ministro Fux também se
manifestou no sentido de que, naquele ponto, não era possível mais reavaliar os
fatos. “Tenho severas dúvidas se é possível em embargos de declaração rever um
entendimento”. Ao que Lewandowski respondeu que aquele era o “momento do
julgador de se redimir”, em caso de erro ou omissão.
Em
seguida, a discussão saiu do eixo e os ministros passaram a bater boca em
Plenário. A sessão foi encerrada sem que o caso fosse decidido.
Rafael
Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Rodrigo
Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor
Jurídico, 15 de agosto de 2013
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