Entrevista concedida à Ana Cedro do Jornal Novoeste.
“A criação de uma universidade é histórica, não há protagonistas.
Qualquer pessoa que tentar se afirmar como tal está correndo o risco de cometer
um erro”
Foi o que disse o professor Poty Lucena, ao ser questionado sobre quem
considerava protagonista pelo ato acontecido no início do mês, onde a
presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei que, finalmente, cria a Universidade
Federal do Oeste da Bahia, a UFOB. Em busca de maiores informações sobre como
será o procedimento de implantação da Universidade em Barreiras, a redação do
Novoeste o procurou por ser membro da Comissão de implantação da UFOB criada
pelo Ministério da Educação em 2011.
Casado, dois filhos, paraibano de João Pessoa, Poty Lucena é químico
industrial, mestre e doutor em Química e um dos 31 pioneiros da UFBA em
Barreiras e coordena projetos de pesquisa e extensão nas áreas de nanociências
e nanotecnologia e de popularização da ciência. O professor Poty foi Presidente
da Comissão de Desmembramento do ICADS que conseguiu a aprovação do projeto de
desmembramento da UFBA em 2008, além de acompanhar todo o processo fundamental
para criação da nova Universidade a partir do campus Reitor Edgard Santos.
Nesta entrevista o professor detalha como ocorreram as primeiras aulas no
campus avançado da UFBA em Barreiras, a primeira reunião para criação da UFOB,
quais serão os possíveis cursos implantados e os próximos passos para a
implantação de fato da Universidade na cidade. Confira!
Professor, fale do início das aulas na UFBA em 2006.
Costumo brincar que subimos tijolos e enchemos laje, porque quando
chegamos ao antigo prédio do Padre Vieira não existia absolutamente nada além
de salas de aula e um sofá furado. A precariedade era tamanha, que as aulas
práticas do primeiro semestre do curso de Química só foram realizadas com o
apoio do IFBA, antigo CEFET à época, que nos cedeu seus laboratórios de ensino
para ministrarmos as aulas experimentais.
Porém, mesmo com todas as dificuldades, na época um grupo aguerrido de
professores aos poucos foi lidando com as dificuldades enquanto estruturavam as
atividades acadêmicas do campus, inclusive, contratando novos professores,
criando os projetos pedagógicos e aprovando projetos de pesquisa nacionais.
Como era o quadro de servidores do campus Reitor Edgard Santos, logo
assim foi implantado?
Iniciamos nossas atividades sem servidores técnico-administrativos,
apenas com professores. Assim, nós fazíamos de tudo, desde as matrículas a
seleção de alunos para os programas de ações afirmativas e assistência
estudantil, onde tínhamos que medir o perfil de vulnerabilidade econômica de
cada estudante inscrito. Então, se fizermos uma digressão no tempo,
observaremos que realizamos muitas tarefas na raça, mesmo sem ter condições ou
experiência administrativa e fizemos, mais pela boa vontade de querer que a
Universidade desse certo. Nada ou pouco se conhecia sobre gestão
acadêmico-administrativa, mas cada um deu um pouco de si, assumindo, além da
docência, a pesquisa e a extensão, o compromisso com a UFBA e com o Oeste da
Bahia.
Em sua opinião, o que de especial marcou esse início?
Tudo era novo e precário. Mas me marcaram bastante nossas primeiras
reuniões do colegiado do curso de química na casa que alugamos na Morada da Lua
na caixa de papelão de um fogão, usada como mesa e as reuniões da congregação
do ICADS em que a ata de reunião era feita num caderno escolar, escrito a lápis
grafite onde qualquer um poderia apagar se quisesse. Guardo esse caderno comigo
como uma relíquia, não dou, não empresto e não vendo! Pois, pra quem não sabe,
esse foi o primeiro registro organizacional da UFBA em Barreiras.
Como nasceu a Comissão de Desmembramento para criação da UFOB?
Institucionalmente, a proposta de criação da UFOB nasceu no Conselho
Universitário desde quando foi criado o campus da UFBA em Barreiras, criado com
a perspectiva de desmembramento para criação da nova Universidade.
Tão verdade, é que na segunda reunião de congregação do ICADS, foi
criada a Comissão de Desmembramento composta por docentes, técnicos e
estudantes, da qual fui um dos membros e Presidente. Se não me falhe a memória,
fizeram parte da comissão durante sua vigência a então Diretora Joana Luz, os
professores Paulo Baqueiro Brandão, Daniel Mello, Deborah Cabral, Ângelo
Manieiro, Jorge Costa, Márcio Lima, além dos técnicos Cátia Alencar, Carla
Andréia, Jorge Oliveira e os membros discentes Junio Trindade, Danilo Amêndoa e
Amanda Santos. Com certeza esqueci alguém. Naquele dia, não recordo a data com
precisão, demos o pontapé inicial para uma proposta pedagógica e estrutural da
Universidade.
Então, formulamos um projeto de desmembramento do ICADS para a criação
da UFOB, que foi aprovado em Assembleia Geral do ICADS onde participaram
servidores, professores e estudantes e submetida para aprovação no Conselho
Universitário da UFBA. A proposta foi aprovada por aclamação no conselho
superior e submetida como um gesto político da Universidade ao Ministério da
Educação, dando conta de que a instituição apoiava politicamente a criação da
nova Universidade por desmembramento de seu campus em Barreiras.
Como se deram as etapas seguintes?
O projeto amadureceu no Ministério da Educação de 2008 a 2011,
gravitando entre o Ministério da Educação, o Congresso Nacional e a Casa Civil
da Presidência da República. Valeu nesse momento a mobilização da bancada de
Deputados Federais, Senadores e do Governador do Estado da Bahia, de quem
ouvíamos algumas notícias do projeto também transmitidas pelo Reitor Naomar e
representantes políticos da Bahia. Foi quando, houve por parte do Governo
Federal, o lançamento de um novo plano de expansão do ensino superior onde
pressupunha a criação de novas universidades federais em 2011.
Nesse mesmo ano, o ministro Fernando Haddad, já havia se manifestado
publicamente em apoio ao projeto de criação da UFOB, o que de fato se
concretizou com o envio do projeto da Casa Civil da Presidência para o Congresso
Nacional no dia 31 de agosto de 2011, onde pela primeira vez a presidenta Dilma
Rousseff sinalizou a criação das novas Universidades Federais no país, dentre
elas a UFOB.
O projeto sofreu emendas?
Sim. Ele tramitou em diversas comissões, porém emendas parlamentares
foram acrescidas, dentre elas a que indicava a criação de campi em vários
municípios como Caetité e Guanambi e também possibilitaria a incorporação de
Universidades Estaduais, o que achei um absurdo, felizmente foram excluídas
pelas comissões. Foram aceitas apenas as que criam o campus em Santa Maria da
Vitória na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) e a
que mudava a sigla de UFOBA para UFOB na Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJC). Mesmo necessários, as emendas aprovadas não preveem a criação
de novos cargos, o que pode gerar uma maior dificuldade para efetivá-las. Após
ser aprovado pelas comissões e plenários do Senado, no último dia 05 de junho,
finalmente o Projeto de Lei de criação da UFOB foi sancionado pela presidenta
Dilma Rousseff.
Quais serão os próximos passos rumo à implantação de fato da
Universidade?
O primeiro passo, para iniciarmos bem, é comemorar, soltar fogos,
agradecer pela criação da UFOB. O segundo é fortalecer a união de todos, o que
deve prevalecer sob qualquer estrutura e ou qualquer decisão que seja tomada.
Qualquer transformação gera angústia e expectativa e por isso devemos
ter muito cuidado, principalmente com as pessoas envolvidas e que são parte
vital deste processo. E terceiro, é planejar, trabalhar e desenvolver da melhor
forma como será a estrutura da Universidade.
Mas na prática um dos primeiros passos será a instalação de um gabinete
executivo da Universidade por um reitor ou reitora pró-tempore, pois é
necessário estruturar pró-reitorias, realizar a constituição jurídica da
Universidade, instalação dos sistemas federais de gestão do quadro de pessoal,
e gestão orçamentária financeira, é muito trabalho pela frente! Há todo um
processo minucioso que vai ser desenrolado no decorrer dos próximos anos sob
tutoria da UFBA.
Que pessoas o Sr. relaciona na luta pela criação da Universidade?
A Universidade Federal do Oeste da Bahia é o resultado de uma
trajetória histórica da sociedade civil organizada, de diversas lideranças,
que, em diferentes tempos e circunstâncias ofereceram sua contribuição ao seu
processo de criação. Resgatando algumas reportagens mais recentes encontramos
que a criação do ICADS/UFBA também foi resultado da reinvindicação de
lideranças do Oeste ao MEC não para criar um campus, mas para criar uma
Universidade. Mesmo assim, na época o ministro de Educação Tarso Genro se
comprometeu a criar a Universidade.
Também sei que o campus de Barreiras foi motivo de uma disputa entre
duas Universidades: a UNIVASF, de Pernambuco e a UFBA, na Bahia. A UFBA acabou
vencendo, ainda bem, porque se não fosse assim não teríamos hoje a UFOB,
Barreiras teria que se contentar com um campus da UNIVASF.
Como funcionará a parte administrativa da nova Universidade?
Não posso prever totalmente. Mas o Projeto de Lei traz em seu bojo
algumas diretrizes. Primeiro, será nomeado um reitor ou reitora pró-tempore,
que é quem consolida poder executivo da unidade. A reitoria deverá instalar um
gabinete e presidirá um Conselho Universitário, que é a instância máxima da
instituição Universitária. O Projeto de Lei pressupõe também a criação de novos
cargos docentes, técnico-administrativos, cargos de direção e funções
gratificadas em todos os níveis, tanto para a sede em Barreiras como para os
campi nos seus respectivos municípios. Com isso, possivelmente, haverá uma
mudança significante na estrutura atual, talvez uma composição de centros, para
que se fortaleça a gestão administrativa, o ensino, a pesquisa e a extensão da
UFOB.
Como será a implantação dos campi nos municípios?
Do ponto de vista físico, os campi serão implantados em um processo
parecido como ocorreu em Barreiras. Em cada município serão cedidas escolas e
transferidas áreas onde serão construídas estruturas para abrigar suas sedes
definitivas. Diferente dos outros campi, no campus da Barra, além da sede, terá
uma Fazenda Experimental que será implantada numa área de mil hectares.
Haverá concurso para preencher a escala de servidores?
Sim. Para preencher as vagas dos servidores da Universidade teremos que
realizar concursos públicos para diversos cargos docentes e
técnico-administrativos. As Universidades Federais tem privilegiado a
contratação de doutores para as funções docentes. Mas esta política tem sido
flexibilizada nos novos campi com a contratação também de mestres para algumas
áreas onde há dificuldade em atrair doutores para os quadros federais
interioranos. Temos uma deficiência no quadro de pessoal técnico e apresentamos
uma das menores relação Professor/Técnico-administrativo do Brasil, ou seja,
trabalhamos com um quadro de servidores técnicos que precisa ser ampliado. Mas
nosso principal desafio será talvez a fixação de servidores. Temos um alto
índice de evasão docente motivada principalmente pela qualidade de vida
oferecida em nosso município.
Como ficarão os cursos já implantados na Universidade? E quais serão os novos?
Os 12 cursos de graduação e o curso de pós-graduação que já funcionam
no ICADS permanecerão, esses não mudam. Porém, vamos criar outros novos, uma
vez que a Universidade também precisa estruturar e sua pós-graduação suas
atividades nos demais campi. Mas, por enquanto ainda não existe definição
formal de quais serão e aonde vão se estabelecer. Com exceção apenas da Barra,
onde foi tomada a decisão de que no município serão sediados os cursos nas
áreas de Ciências Agrárias e Saúde Animal. Os cursos dos demais campi ainda
estão em processo de discussão. A verdade é que a última coisa que se escolhe
são os cursos. Nosso maior desafio é desenvolver uma concepção pedagógica para
nossa Universidade possa traçar suas políticas de gestão de pessoal, de ações
afirmativas e assistência estudantil e um percurso inovador que norteie o
desenvolvimento da UFOB em as todas suas dimensões para um projeto de
integração regional.
Como será realizada a escolha dos cursos?
Para escolha dos cursos estamos considerando diversos contextos, porque
não estamos criando a Universidade de Barreiras, da Barra, da Lapa, de Luís
Eduardo Magalhães ou de Santa Maria da Vitória, e sim uma a Universidade
Federal do Brasil, da Bahia e do Oeste da Bahia, por isso temos que enxergar a
Universidade sob uma perspectiva global. Mas, sobretudo temos que considerar,
principalmente, a missão da Universidade e essa prevalece sob qualquer desejo
individual de criação de cursos. A Universidade não é um cartório de títulos de
ensino superior. É por isso que devemos propor um projeto que avance
culturalmente para desenvolver um conceito de Universidade. Aí depois então
definimos o perfil de uma das nossas funções acadêmicas, que é a mais
importante: o ensino dos cursos de graduação.
Quais são os maiores desafios que possam dificultar a implantação dos
cursos?
Um dos principais desafios é a atração e a fixação do docente nas
Universidades. Temos alguns índices que assustam nessa nova era de expansão da
Universidade. Temos um mercado aquecido, os nossos salários são bons, mas já
estão pagando para os nossos profissionais melhores salários em condições de
carreira, mais atraentes e hoje, cada vez mais, as empresas estão privilegiando
pessoas com nível de conhecimento elevado e isso, nos faz perder docentes.
A Universidade não contrata apenas o professor, contratamos a sua
família. Quando o professor assume um cargo e sabe que vai dispor de uma boa
escola, atividade cultural, esportiva ou de lazer, o faz assumir a Universidade
como um projeto de vida. O professor de Universidade Federal não vem para o
Oeste da Bahia atrás de um salário ou da riqueza do agronegócio, pois a
remuneração é a mesma em qualquer lugar. O que se paga em Barreiras na
Universidade Federal da Bahia, paga na Federal da Paraíba, Pernambuco ou em
outros estados, inclusive, em municípios de maior porte em condições melhores
com um custo de vida menor.
Isso faz com que tenhamos uma
grande preocupação. Obviamente, para algumas áreas o processo de atração e
fixação do docente tem sido difícil, principalmente, nas áreas de engenharias.
Também esperamos que nas áreas de saúde passemos por esse problema,
principalmente, com a expectativa da criação do curso de medicina.
Com relação ao curso de medicina, como está seu processo de
implantação?
O que aconteceu com o curso de medicina foi que o MEC fez um gesto
político importante de autorização para a criação de 80 vagas em Barreiras. A
Universidade possui autonomia administrativa e pedagógica assegurada na
constituição, assim quem cria curso é a Universidade, não é o Ministério da
Educação. Contudo, para alguns cursos é necessário autorização de conselhos
profissionais e do MEC, como é o caso do curso de medicina. E o MEC nos
autorizou previamente.
O curso de medicina não é criado imediatamente nem isoladamente, pois
exige a criação de uma estrutura de ensino multiusuária que é complexa por si
só. Além de medicina, precisamos criar cursos da área de saúde para promover
uma estrutura acadêmica sinérgica não só para o ensino, mas para a pesquisa e a
extensão na área de saúde que fazem parte do fazer acadêmico e profissional
contemporâneo. Precisamos, sobretudo, manter o nível de excelência da
Universidade Federal. Portanto, não é tão simples, pelo contrário, é um curso
que mexe bastante com as estruturas sociais, por isso precisa ser bem pensado.
Já existe data para o processo seletivo?
Sim. Para os 12 cursos que já estão funcionamento no ICADS o processo
seletivo UFOB 2014 ocorrerá através do Sisu e do ENEM e também teremos seleção
para o nosso curso de mestrado em Ciências Ambientais.
Os próximos alunos a serem diplomados já serão como acadêmicos da UFOB?
Sim. O Projeto de Lei que cria a UFOB ao ser sancionado deixa bem claro
que todos os bens patrimoniais, servidores, docentes e estudantes a partir
daquele momento passam automaticamente a incorporar à UFOB.
O sr. se sente orgulhoso em ter sido parte dessa conquista: a criação
da UFOB?
Sinto bastante orgulho. Fico feliz pelos colegas servidores da UFBA e
grato por todos que se esforçaram e apoiaram a criação da Universidade. A vida
funciona em ciclos e acredito que acabamos de fechar um deles que foi a luta
pela criação da UFOB. Agora precisamos seguir adiante e vencer outro desafio
ainda maior que é a consolidação de fato da Universidade, e isso envolve
trabalho coletivo, investimentos em ações para seguir em frente com autonomia e
responsabilidade.
A quem o sr. considera como protagonista desse grande feito?
A criação de uma Universidade é histórica, não tem protagonista,
qualquer pessoa que se afirmar como tal está correndo o risco de cometer um
erro. A Universidade vem coroar um conjunto de esforços e de persistência de
pessoas que, mesmo não querendo ingressar no ensino superior federal, queria se
estabelecer aqui e fazer dessa região a sua terra e de seus familiares. É assim
que devemos carregar no peito uma história de luta, de geração a geração.
O sr. acredita que a Universidade reduzirá as desigualdades sociais
regionais?
A desigualdade social vem de fatores históricos, e são esses que a
Universidade combate. Mas, a desigualdade social só vai ser combatida quando as
pessoas puderem exercer o papel enquanto cidadão. E a Universidade tem um papel
muito importante para que se estimule no povo o seu lado cidadão. Desse ponto
de vista, a Universidade tem demonstrado que quando a cultura do ensino
superior atinge a desigualdade, esta diminui na proporção do desenvolvimento do
senso crítico do ser humano. Uma vez que
conseguimos desenvolver o senso crítico, além de habilidades, a tendência
natural é que as desigualdades sejam minimizadas, mas é importante ressaltar
que a Universidade não é instituição exclusiva para tal.
Em sua opinião qual a importância da criação da UFOB para a região?
Algumas instituições são vocacionadas ao desenvolvimento da sociedade.
A família, o estado, a igreja, a escola. A Universidade é uma delas, pois tem
como princípio natural de transformar o saber humano através do conhecimento.
Durante muito tempo a Universidade foi introspectiva, mas com o tempo, através
do ensino para formação de competências e da pesquisa para produção do
conhecimento, a Universidade se tornou uma ferramenta estratégica para o
crescimento e desenvolvimento das nações. E é assim que a UFOB deve se
destacar, como o grande motor do desenvolvimento cultural, tecnológico e
científico.
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